Extrapolações

Saturday, August 04, 2007

 
A mulher
Nesta aldeia as coisas correm ao seu ritmo. Um ritmo que serve a todos, umas vezes mais, outras vezes menos, nunca a todos ao mesmo tempo, isso é certo, mas digamos assim, a passagem de ano costuma ser sempre bem encarada e as resoluções são formuladas e cumpridas sem grandes angústias.
Contudo, digamos assim, também, que isto não se verifica na totalidade. Mas lá chegaremos.
Esta aldeia tem uma vida multifacetada e tenta acompanhar os progressos da civilização e da tecnologia. A sua companhia de teatro atrai pessoas de outros lugares, o seu porto fluvial abastece toda a vizinhança, e na semana passada um agricultor local adquiriu o primeiro tractor da região.
A cerca de um quilómetro do porto, rente aos limites dos penhascos, há uma casa de madeira de telhado baixo adornada com objectos cor-de-rosa. Penas tingidas e flores, principalmente.
Os valores da família e do trabalho são prezados nesta nossa aldeia. O sonho de uma mãe é ter um filho abastado o suficiente para sustentar uma família, o sonho de um pai é ter um filho respeitado pelos outros e com autoridade para educar os filhos.
O sonho de um filho era o sucesso, o reconhecimento, a família. Mas não só.

Naquele dia, havia festa. Do último barco a aportar, chegou uma encomenda especial. Um tractor, o primeiro da região. O motor da aquisição foi um jovem agricultor, pessoa empreendedora e com visão, que conseguiu convencer o chefe da aldeia a subsidiar esta compra, e ainda a reunir os outros agricultores em cooperativa para dividir o encargo financeiro. Naquele dia, o jovem agricultor foi herói e foi notável da cidade. E sem grandes oficialidades reuniu-se uma grande farra em sua honra no bar mais próximo. Serviam-se rodadas e cantava-se hinos aos melhores bebedores, alternados com hinos ao herói do dia.

Vestiu um dos seus vestidos de decote na medida ideal da sua feminilidade e que arrojavam no chão de tal forma que lhe suavizam a intermitência dos passos até à levitação. Sobre isto nada se sabe. Ninguém supõe sequer que aquela criatura se vista. Já sobre a forma como ela remove a roupa, a cada mente, uma nova teoria.
Enfim, cabelo volumoso, lábios pintados, maquilhagem perfeita, pronta para mais uma vez.
Parou um pouco para ouvir o som das ondas. Estava calmo, o mar, e o vento estava morno, agradável. Inspirou e seguiu em direcção ao barulho.
Sim, ela levitava. Os passos eram imperceptíveis. Ela ia descalça. O chapéu tapava-lhe a cara até ao queixo, e o cabelo esvoaçava perfeitamente despenteado. Aquele espírito vagava decidido e inabalável.

A sua entrada nas vielas mais periféricas da aldeia, e depois nas ruas principais, causavam uma reacção muito própria nos habitantes. Os mais velhos desviavam o olhar, porque passavam-se anos e anos de impotência sem perceber o que aquela mulher representava, qual era sua importância no funcionamento da vida da aldeia.
Os miúdos mais novos tentavam com ardor não denunciar a sua vontade de simplesmente fixar o olhar nela até que desaparecesse na próxima esquina. Viam horas em relógios que não tinham, procuravam no chão coisas que não tinham perdido, iniciavam conversas pela segunda vez nesse dia. Mas mal ela se adiantava na sua posição relativa, apenas contemplavam, até que algum se lembrava de perguntar se será que era ela.
Não haviam meninas na rua àquelas horas.
Ela conhecia bem a cidade, percorreu-a sem deter-se uma única vez até chegar ao bar que libertava o barulho que a chamou e guiou. Parou pela primeira vez no seu caminho defronte do edifício, como se estivesse a tirar-lhe as medidas, quiçá a preparar a entrada e a saída.
Tirou o chapéu e inclinou a cabeça para trás de modo a que o cabelo escorresse, deixando-lhe o rosto a descoberto num único movimento suave e espectacular. Ao mesmo tempo, subiu os degraus e abriu a porta com uma mão. Uma reacção em cadeia engoliu todo o estrépito no salão, desde a porta ao balcão. Suspeita-se que ao mesmo tempo se tenha aberto uma vereda imperceptível desde a mulher até ao herói do dia, uma vereda que só ela sabia ler. E terá sido por essa vereda que flutuou até ele. Agarrou-o pelo braço de modo a baixar-lhe altura do ombro esquerdo para lhe segredar qualquer coisa. Depois deixou deslizar a mão, do braço até ao pulso, e seguiram para fora do bar de mãos dadas, e do bar para fora da aldeia, até a sua casa de enfeites rosa à beira dos penhascos.
Ninguém os impediu de seguirem o seu caminho nem lhes pediu satisfações. Nem amigos, nem pais, nem a noiva do jovem agricultor.

Na tarde do dia seguinte, o jovem agricultor regressa da casa à beira dos penhascos ainda atónito . Na sua mente resta alguma disponibilidade para perguntar coisas que se resumem a tentar perceber se daquela mulher recebeu sexo ou poder.
Primeiro vai ter com a sua noiva, que o abraça com urgência, depois com a sua família, que lhe oferece a melhor refeição possível de preparar em pouco tempo, e passados dois dias, com os seu amigos que não lhe fizeram uma única pergunta sobre aquela mulher.

Ninguém sabe ao certo quem ela é ou o que a leva periodicamente a sair do seu ninho para confiscar os homens notáveis da aldeia e oferecer-se-lhes como recompensa. Julga-se que a sua senda terá começado quando ela foi a única sobrevivente a uma doença que vitimou todas as meninas da sua idade e sua mãe viúva.
Ninguém sabe quando acabará. Todos acham que esta mulher não pensa no assunto.

Saturday, June 30, 2007

 
Liturgia
Era cedo de manhã e o jovem sacerdote seguia o seu caminho pela estrada que rasgava a paisagem. Infelizmente para ele, apesar de o sol ainda só ter enviado algumas das suas primeiras dádivas, o sacerdote já ia atrasado. Seguia numa marcha acelerada ao mínimo para não perder a postura nem o início do sacrifício anual ao Deus Clima, não conseguindo evitar tropeçar algumas vezes na túnica branca, altura em que resmungava – Raios partam, só eu é que tenho um galo atrasado!
E nesta coreografia continuou ao encontro do seu parceiro de profissão, à espera numa encruzilhada que interrompia a estrada.
- Que é do carneiro?!
- O carneiro?...
- Vais sacrificar a tua mãe, é?
- O carneiro…
- Sim, o carneiro.
- O galo atrasou-se outra vez, quando acordei já o sol estava meio descoberto e esqueci-me. E agora?
- Devias estar à espera que o Deus Clima o prouvesse… Vá deixa estar, compramos duas rolas pelo caminho.
E continuaram o seu caminho para o lugar do altar, ainda mais apressados, agora com a diferença que também tropeçavam na túnica um do outro e praguejavam alto, silenciando ao redor os pássaros que já labutavam há muito nessa manhã.
A dada altura, cruzam-se com um rebanho de ovelhas.
- Ainda se fossem carneiros…
- Isso arranja-se.
E dirige-se ao pastor.
- Confiscamos-lhe um carneiro.
- Mas eu só tenho ovelhas.
- O que você responderá daqui em diante é que lhe confiscámos um carneiro – e dirige-se à ovelha mais branca que estava nas imediações, agarra-a pela lã, e segue o seu caminho. O outro sacerdote correu até ele - Mas isso é uma ovelha!
- Pois, temos de lhe arranjar uns cornos. Mantém-te atento aos ramos das árvores e dos arbustos que ainda nos safamos à grande. Vá, já estamos quase a chegar.
- E não achas que as pessoas vão reparar?
- Se isto fosse ao Deus Colheitas, claro, mas o Deus Clima é mais para o pessoal da cidade. Eles lá sabem distinguir um carneiro de uma ovelha com dois galhos na cabeça. E não te esqueças que eles mantêm a distância, senão levam com uma trovoada nas ventas. Agora vai àquela oliveira e traz dois ramos.
O sacerdote partiu os dois ramos mais grossos que conseguiu partir com a ajuda do cutelo sacrificial, bastante rombo, e trouxe-os para o segundo sacerdote.
- Vá agora agarra no bicho para eu lhe meter os cornos.
E a ovelha torcia-se irrequieta porque estranhava a tira rasgada da túnica que o sacerdote tentava enrolar-lhe à volta da cabeça.
- Olha que não sei se consegues, a ovelha não parece lá muito contente.
- Qual quê, as ovelhas não pensam, são mais burras que as galinhas
E nisto, dá um apertão definitivo, que espeta uma ponta do pau na carne da ovelha. Aflita, ela foge a correr, com força para levar o jovem sacerdote de arrasto, agarrado pela tira de pano que agora tapava os olhos do pobre animal. Correu até chocar contra uma árvore, a que antes lhe tinha fornecido os cornos, agora sim profundamente cravados.
O animal sangrava e tinha uma pata partida.
- Ui, e agora? – perguntava-se o jovem sacerdote, enquanto se levantava, ainda meio aturdido pela colisão da ovelha.
- Vá não percas tempo que já estamos mais que atrasados. Vai lavar o carneiro ao rio.
O jovem sacerdote só conseguiu murmurar
- A ovelha… vamos ser fulminados.
E em gestos lentos, arrancou os galhos da cabeça ferida do animal. Também teve de rasgar mais um bocado da sua túnica para molhar no ribeiro e lavar as feridas e o sangue que tingiam a lã.
- Assim nunca mais nos despachamos – e empurrou com o pé a ovelha para o ribeiro, que mergulho desamparada - vês, já esta lavada. Pronto, agora leva-a às costas que a minha idade já não permite esforço desses.
E foi assim que os dois sacerdotes seguiram o seu caminho, com o cansaço equivalente de dois dias de trabalho e com as túnicas já só esbranquiçadas, um apoiado no ceptro sagrado, o outro vergado pelo peso quase morto que trazia às costas.
O carneiro molhava as costas do sacerdote e fazia comichão, o que o levava a parar de vez em quando para descolar a túnica da pele. Em cada paragem, o sacerdote mais velho brandia o ceptro e ameaçava de porrada tanto o jovem como a ovelha.

Por fim, o lugar do sacrifício. Passadas as primeiras colunas, são avistados por um dos espectadores.
- Sacerdote, não devia ter chegado um pouco mais cedo.
- Ora essa, homem de pouca fé. Chegamos à hora que temos de chegar. Não me diga que devíamos chegar com antecedência para precaver imprevistos.
- Longe de mim insinuar tal coisa. E o carneiro não vem pelo próprio pé porquê?
- Não sabe que a lei diz que o animal do sacrifício tem de ser perfeito, sem fracturas nem doenças? Eis a garantia, o bicho não teve de mexer uma palha para cá chegar.
- Ahh… Já nem sequer me atrevo a perguntar pelos chifres do carneiro.
- E faz bem. Chifres? Num carneiro?! Agora tenha juízo e vá para o seu assento na plateia.
A plateia já estava cheia do povo da cidade, que conversava baixinho devido à ausência dos sacerdotes que iriam conduzir a cerimónia. Finalmente eles apareceram. O sacerdote jovem, extenuado, dirigiu-se num andar coxo ao altar e lá deixou cair a ovelha com alívio, que mal se mexeu apesar do impacto contra a pedra.
Um assistente trouxe a corda benzida para atar o animal do sacrifício, mas o sacerdote mais velho recusou – deixa estar rapaz, desta vez não vai ser preciso. Este carneiro foi escolhido pelo próprio Deus Clima. Olha para ele, que nem tenta fugir – e o jovem sacerdote murmurava mais uma vez que iriam ser fulminados.
- Povo da cidade, estamos mais uma vez aqui reunidos para mostrar a nossa gratidão ao Deus Clima, oferecendo-lhe o carneiro mais puro do reino pelas tardes de sol em passeio e pelas noites de chuva no teatro.
A plateia respondeu “Assim seja”, e o sacerdote voltou-se para o altar. A ovelha tremia febrilmente, e jorrava-lhe da boca uma espuma branca. Tinha-se constipado pelo caminho.
O sacerdote rezou a um outro deus que não o Clima para que aquilo acabasse rápido. O céu enchia-se de nuvens negras. O sacerdote jovem aproximou-se e, nos modos que mais reverentes que conseguiu, entregou o cutelo sacrificial, pegajoso e sujo de verde com a seiva da oliveira.
O sacerdote elevou o cutelo no ar, quando a ovelha inspirou em dois ou três tempos uma enorme quantidade de ar, ao que seguiu um espirro que a fez rebolar e cair do altar de encontro ao chão de pedras salientes que circundavam o lugar do sacrifício. Ensanguentada, suada, com a boca coberta de espuma, totalmente morta.
O jovem murmurou pela última vez "vamos ser fulminados" e o sacerdote mais velho inspirou resignado.
Um grande trovão caiu do céu, dividiu-se em dois e fulminou os sacerdotes.

Monday, April 24, 2006

 
Ordinal
A aldeia estava devastada. Tudo partido, tudo queimado, tudo desfeito em poucos longos minutos de violência, coisa estranha àquele canto da terra. O aço, que só era conhecido como útil para a lavoura, fora manuseada pelos invasores de uma forma nunca antes vista por aquele povo. Nunca tinham experimentado o medo da espada, e muito menos assistido à morte pela espada. E o choque não passava. Nem tinham nenhuma espécie de força que os empurrasse a assistir os feridos, ou procurar as crianças desaparecidas. E enterrar os cadáveres… mais do que um de uma vez… o que era isso?

Os seus olhos pareciam ter levado um banho de descolorante. Tudo a preto e branco, devagar. Era impossível ao jovem pastor de ovelhas sair da apatia induzida pelo cenário de destruição. Caminhava lentamente, porque os joelhos não tinham força, de pescoço esticado para a frente de incredulidade. Não sabia o que era aquilo. Não sabia o que sentir. Não estava preparado para esta intromissão.

Porque será que lhe chamou intromissão? Ninguém sabe. O certo é que esqueceu-se da sua primeira reacção – “que desastre…” – porque onde há intrusão, houve um intruso. E então começou a pensar no intruso. Porque é que ele teria feito aquilo? Quem seria, afinal? E contemplava a sua aldeia. E voltava a carregar no intruso. De onde teria vindo? “Nós nunca lhe fizemos mal…Mas porque é que ele teria feito aquilo?” Ouve-se o murmúrio de um velho, que consegue balbuciar qualquer coisa por entre a tosse. Como era ele capaz de fazer aquilo?! Mas porque raio foi ele fazer aquilo?! Os joelhos sentiram o refluxo do sangue, que agora bombeava com mais força, e estugou o passo. “A minha família?”

Correu, alheio a tudo. Não via mais nada que não o túnel de visibilidade que o guiava até casa. E contudo ouviu uma voz. Travou, e olhou em redor à procura. Era uma menina, uma menina quase mulher, sentada de encosto a um muro de pedras cheias de arestas. Aquela a quem mais tomava atenção quando se distraía dos discursos do ancião da aldeia. Ali desprovida de qualquer graça, sozinha e ferida. Tinha falado poucas vezes com ela, conhecia-a mal, e no entanto, pela primeira vez desde que tinha voltado à aldeia, chorou. Abraçou-a, perguntou o que lhe tinha acontecido, se estava bem, se queria alguma coisa… mas ela estava demasiado alucinada pelos acontecimentos recentes. Conseguiu pedir água e desmaiou.

“Só isso?... Não soubeste retribuir qualquer coisa mais pela minha simpatia? Eu vim logo a correr mal te vi… Não é justo, os intrusos eram injustos, e não havia justificação para o que tinham feito. Porque é que eles o tinham feito?! De onde vieram? Mas porquê?... Não é justo… Devem pagar. Deve ser feita justiça. Eu tenho razão, eu fui injustiçado, eu farei justiça, e ela está comigo. Persigo-os e faço-os pagar.” E o jovem pastor saiu a correr da aldeia, armado com o cajado e a fisga, guiado pelo rasto que os cavalos pesados dos intrusos deixaram na erva das colinas verdes.

Não sabia que perseguia o Senhor dos Dez, e a sua guarda pessoal dos Dez. Foram apenas dez soldados, dez homens, que devastaram uma aldeia com a sua centena de habitantes. Segundo se dizia, o Senhor dos Dez tinha sob o seu controlo os dez melhores combatentes de toda a terra conhecida pelos homens. Era impossível alguém vencê-los pela qualidade. Apenas um exército enorme poderia vencer a sua superioridade, pela destreza nas artes do combate e da guerra.
Cada um tinha o seu número. O número um era o melhor guerreiro da terra, o número dez era o décimo melhor guerreiro da terra. Frequentemente lutavam entre si para actualizar o seu posto. A recruta de novos membros era pouco frequente. Só acontecia quando o número dez era derrotado. Nesses casos, o carrasco do número dez era reverentemente convidado pelo Senhor dos Dez para se juntar à sua guarda pessoal. O convite era feito a sós, e ninguém sabia o que era dito nesses momentos raros. Os únicos em que o Senhor partilhava a sua intimidade com alguém, exceptuando o mordomo.
E era assim que este grupo vivia, alimentado pelo produto das pilhagens e pela certeza de serem os melhores. Chegava-lhes.
Hoje continuavam o seu caminho vagante, tranquilos, vindos de uma aldeia onde tinham feito escala. Um dos cavalos sobressaltou-se. Também os cavalos eram os dez melhores de toda a terra. O Senhor olhou para trás. Viu ao longe uma figura que se aproximava na sua direcção, a correr, a pé. Um pirralho tomado pela loucura. Será que ele pensa poder desafiar a minha guarda pessoal? Nem vale pena deixá-lo aproximar-se. Não é digno da minha proximidade. E ordenou ao mordomo “envia o número dez”. O mordomo atrasou-se dez cavalos na fila indiana para dirigir-se ao súbdito eleito. Ele inverteu a marcha e cavalgou em direcção o miúdo. Aproximou-se, desmontou e desembainhou a espada. O rapaz queria vencê-lo com um cajado de pastor… certamente deveria ter algum trunfo por revelar, ou seria assim tão inconsciente?...

O rapaz estacou perante o seu adversário. Tomou o fôlego. Reviu a sua estratégia. Brandir o cajado, eventualmente tentar atingi-lo. Mas manter sempre a mão desperta, para num momento de presunção do adversário, levá-la à sacola e arremessar uma pedrada certeira no centro da testa. Ele conseguiria, era justo que assim fosse.
O soldado ainda retorquiu que mais valia desistir e manter a vida. Se pudesses realmente derrotar-me, estarias no meu lugar. O pastor respondeu por uma bastonada, defendida com um movimento rápido de espada. Repetiram mais algumas vezes. O soldado resolveu contra-atacar. O pastor ainda tentou defender-se com o cajado, mas percebeu que só lhe restava esquivar-se, senão mesmo fugir. Tinha de se afastar daquela lâmina o máximo possível. Tinha de aplicar o trunfo. Então afastou-se a correr, e encarou o adversário. O adversário aproximou-se com passo rápido. O pastor esperou até ao momento certo. Levou a mão atrás das costas. O soldado percebeu que era agora que ele revelava o trunfo. Atirou-se a ele. O pastor agarrou com força num seixo rolado que tinha na sacola, e atirou-o como uma energia que quase lhe fez saltar o braço. O soldado reagiu, com toda a rapidez que conseguiu, aflito. Deu o seu máximo. Levou braço desocupado à cara, enquanto tentava desviar-se do tiro. Levou com ele no braço, e sentiu-o a estilhaçar. Tudo rápido de mais para se importar com isso. Deu meia volta e lançou a espada contra o miúdo, que ainda estava curvado do arremesso. Ia-o cortando ao meio.

“Não te disse que não valia a pena?...”, enquanto olhava para o corpo separado. Se eu sou o número dez, é porque a soma da minha inteligência, da minha força, da minha rapidez, da minha habilidade, superam qualquer soma de argumentos que alguém queira apresentar contra mim. Os truques já vão incluídos nessa soma. E tu, levezinho e com meia dúzia de calhaus, querias questionar esta lei da natureza? Palerma, onde tinhas a cabeça?... O soldado enumerava a sua lei ao corpo morto, como se ele ouvisse. Na aura de sangue que o envolvia, algo o levou a rever esta constituição que poucas vezes questionava. Nunca tinha necessidade disso. Ela dizia que ele era o décimo melhor de toda a terra, incluído no grupo dos dez melhores. Insuperável.
Relembrou o dia em que entrou para os Dez. Eles tinham atacado a sua cidade. Ele, membro do exército que a defendia, atacou um dos invasores, lutou muito tempo com ele, e venceu. Ao aperceber-se disso, um dos outros invasores dominou-o em poucos golpes, e levou para fora da cidade, atado ao cavalo. O momento era importante, justificava a fuga. Um dos dez tinha sido derrotado.
Já longe, o Senhor teve a tal conversa com ele, meio morto, todo esfolado. Ele aceitou.
Aquele miúdo também quis defender a sua cidade. Só que não era um dos dez melhores, e perdeu. Tudo estava no seu lugar, não era? Ainda assim. Havia qualquer coisa naquele cadáver envolvido pelo sangue que o superava, que lhe punha em questão o décimo posto.

Os membros raquíticos, superavam os músculos torneados; o cajado de madeira esculpida, mais reverente que a espada forjada do aço; os farrapos vestidos, mais simbióticos do que a cota de malha que envergava; a cara, ainda que juvenilmente indefinida, suja de vermelho escuro e mil vezes mais bela.
O número dez queria aquilo. Enquanto soldado, fugira sempre daquele retrato que agora lhe roubara a lucidez e o remetia à contemplação, inerte. Há já muito tempo que o seu pensamento não se desviava de voltar a ser o número nove. Em cada refeição, em cada momento de descanso, em cada treino, em cada golpe, em cada vida ceifada, tudo tinha em vista e contribuía para um dia subir no seu posto. Agora, não. Agora, para ali estava sem pressa em sair do pasmo. Será que ainda havia esperança para ele? O Senhor dos Dez tinha conseguido afastá-lo deste tipo de pensamentos. O que é certo é que esta limitação lhe tinha oferecido a vitória a cada combate, até mesmo sobre este novo objecto de fixação que tivera o azar de se atravessar no caminho.

“Não é justo que eu tinha sido assim limitado, sem saber ao que ia. Que se lixe o posto.”
Assestou uma flecha ao Senhor do Dez e deixou-a ir. O número um agarrou a seta, à frente da testa do seu Senhor. O Senhor dos Dez endureceu a cara, e ordenou ao mordomo “envia o número nove”.

Wednesday, April 12, 2006

 
Queda
O dia tinha sido longo. Não que fosse mais longo do que os outros, os outros também tinham sido igualmente longos. E no entanto, a repetição nunca os encolheu. Os dias passavam invariavelmente longos.
No pensamento, trazia um dia que tinha passado mais depressa. Algures em meados de Janeiro. O patrão deixou-o sair mais cedo, chegou a casa e encontrou a mulher a fechar a porta à chave, do lado de fora. Ela disse-lhe “Anda comigo, preciso de ajuda para carregar os sacos. Vamos aos saldos.”. Nesse dia viram as montras e entravam, quando não se deixavam assustar pela opulência das etiquetas dos preços. O rei ia nú, mas nunca se atreveram a confessar que os preços estavam caros, mesmo a cinquenta por cento de desconto. Paravam, olhavam inexpressivos, partiam para a montra ao lado. Conheciam-se bem, não era preciso dizer aquilo que ambos já sabiam, nem sentiam nenhum gosto particular em materializar esse saber comum.
A meta era bem clara, adquirir as roupinhas que vestiriam o embrião que grassava no ventre de sua mulher. Mas houve uma loja em que a mulher lhe ordenou que experimentasse um conjunto. Relutante, deixou. Tal não foi a surpresa com o suplemento de aparência conferido pelo tecido caro. A mulher também embasbacou, mas não demorou a tomar conta dos acontecimentos. Riu com escárnio e disse-lhe que nunca iriam poder comprar um fato daqueles. Ele olhou-se mais um pouco ao espelho e dirigiu-se à cabine para se despir. A mulher esclareceu o empregado que aquela roupa não era despesa para a sua carteira. E seguiram para casa.
Ultimamente, este foi um dia que se distinguiu dos outros por ter passado mais depressa. “Dava-me jeito um dia destes, hoje caía mesmo bem”, pensou ele. E nesta esperança, ganhou alguns segundos no trajecto que o afastou do emprego em direcção ao lar.
O lar… a casa, a bem dizer. Uma casa plena de danos colaterais causados pelo pequeno grande guerrilheiro que se instalara há poucos meses, e o seu poder ameaçava crescer, a um ritmo semelhante ao crescimento dos membros e da dentição. Roupa suja, louça por lavar, desarrumação reinante a poluir o visual do pequeno T1. E no sofá, a mulher de semblante atordoado, com os olhos em súplica por algo que lhe aliviasse a dor. “Nem mesmo hoje, que desejei particularmente ardentemente que o dia passasse rápido? Será que o garoto não se cala?!”.
As coisas não iam bem entre os dois, mas inevitavelmente mantinham anseios enleados numa aliança bilateral imperceptível contra o berreiro. “Já não sei o que fazer. Tenta tu calá-lo.”. E ele olhou fixamente para o alvo. Cerrou os olhos com decisão. Havia um “basta” que lhe explodia o peito. “Acabou-se a brincadeira”, e dirigiu-se para o berço onde a criatura, da qual se sentia separada pelos decibéis, mas que era afinal de contas, o seu filho.
Ainda teve de desviar dois ou três esperneares antes de o conseguir segurar. Já seguro nas mão, encostou-o ao peito, e comprimiu-o com alguma força. E então discursou, com o cinismo mais terno que alguma vez aconteceu, na realidade e na ficção.“Vá meu c…..zinho, chiu… vamos a calar… ou juro que te rebento os c….s de encontro àquela parede… vá meu filhinho, há tantos dias que não nos dás um tempinho de descanso… a tua mãe está a dar em doida… se tenho de aturar aquela v… mais uma semana inteira, não sei o que faço… a mim ou a ela… por isso cala-te… se te portares bem esta noite, ainda pode ser que tenha sorte com a p… da tua mãe… salvas-me o dia?”.
O bebé sorriu, a sua cara estava feliz. Ele depositou-o de volta no berço, devagarinho, com a respiração presa por um fio. E concluida a missão com sucesso, dirigiu-se ao sofá, onde a sua esposa constava, de olhar vazio. Sentindo a proximidade do seu homem, despertou, estranha ao silêncio, à situação totalmente invertida. Olhou para ele, vitorioso e vagamente sorridente. Finalmente tinham conseguido calá-lo. Ela sim, sorriu sem contenção possível por um momento. Mas de novo, como em todas as vezes, voltou a si mesma, e tomou as rédeas. Compôs a cara mais ordinária que conseguiu, e disse qualquer coisa parecida com “Mai iró”, qualquer coisa que tinha visto num filme ou numa série qualquer.
Nessa noite, o bebé adoromeceu sereno, embalado pelos gemidos paternos.

Wednesday, March 15, 2006

 
De Um Vento Do Norte - 1

Levantei-me de um sono leve. Acendi a vela. Nas paredes brancas do quarto dançavam as sombras. Sob os meus dedos, a espada esperava o momento certo. Faltava à noite ainda a derradeira voz dos bárbaros junto às portas da cidadela. Faltavam ainda, também, os gritos das mulheres correndo as ruas apertadas na eminência do sangue dos seus filhos derramado nas lajes e na terra.
As chamas das tochas desciam a escuridão dos montes aos milhares. Os bárbaros estariam dentro poucos períodos de tempo prontos para nos atacarem. Ao meu lado, Fred analisava as cordas dos sinos. Era agora a minha vez de ficar de vigia. Os seus olhos estavam vermelhos. A sua boca, grave, não sorria como habitualmente. Faltava pouco mas ainda não tinha chegado o momento da traição. Convinha actuarmos de maneira natural. A confiança que haviam depositado em nós deveria ser insuspeita até ao fim. A torre de vigia fora-nos confiada pelos ministros e sacerdotes com muito trabalho e esforço de meses.
Aproximei-me da janela e vi que os archotes dos bárbaros se apagavam. Olhei Fred e acenei-lhe com um gesto de cabeça. Ele pegou na sua espada e acenou de volta. Cortou as cordas dos sinos. Por boas terras de cultivo e uns quantos escravos, venderíamos o nosso povo à horda que dentro em breve estaria a derramar as entranhas dos nossos conhecidos.
Descemos as escadas da torre e dirigimo-nos com cuidado para a caserna dos portões. Degolámos os guardas um a um. E quando, em silêncio, soubemos os soldados invasores a poucos metros das portas, retirámos as trancas. Eles entraram e seria só mais umas respirações até tudo começar e acabar. Eu e Fred saímos e cavalgámos até à alvorada. Nunca olhámos para trás, para as vidas perdidas daqueles que povoaram o único mundo que até então conhecêramos.

Thursday, February 23, 2006

 
A Batalha II
De dentro da mancha escura faiscavam periodicamente uns brilhozinhos solares. Eram os olhos confiantes dos Pássaros. Aquelas criaturas maiores do que um homem alto, avolumadas pelo casaco escuro de pêlo, não o confessavam a ninguém, mas sabiam que iam passar um bom bocado. Não serão as poses estáticas a denunciar o prazer da certeza de um futuro breve com os músculos distendidos e contraídos ao máximo; as garras poderiam por fim entrar licitamente na carne de seres capazes de se defender e contra-atacar; o animal teria a permissão para entrar com os ambos os pés e ficar por um bocado. E embora aquelas caras pontiagudas continuassem impávidas, a pele revoltava-se de adrenalina, abafada pelos casacos daquela penugem espessa. Abafada, mas não totalmente, porque o tremido das dermes excitadas gerava um barulho parecido com o do dançar das árvores nas florestas assombradas.
O quadro do exército era a média das duas emoções reinantes: a dos que queriam na totalidade, e a dos que não queriam, pelo menos até que chegasse o primeiro silvo de armas brancas em colisão. A partir daí, todos querem. Mas antes, a batalha é coisa que mete respeito até aos elementos das hostes dos Pássaros.
Longe ia ponto no espaço e no tempo em que a facção mais agressiva passou a ter uma razão para se sentir legitimamente descontente. Antes, a soberania dos Pássaros era incontestável, e as questiúnculas (que realmente o eram) preocupadas das aves mais irritadas podiam ser diminuidas com apelos sucessivos ao bom senso. Quando algo potencialmente preocupante finalmente aconteceu, os arautos costumeiros da desgraça sentiram que era a sua vez. E se antes quase tinham conseguido, a legitimidade dar-lhes-ia a razão há muito ansiada. O músculo da retórica estava cristalizado em elevada forma, exercitado pelas sucessivas tentativas. A preserverança compensaria.
Pelo contrário, as aves mais moderadas paralisaram de perplexidade perante o novo estado de coisas. Não sabiam o que dizer, como ripostar. A afronta tinha realmente acontecido, e não fora pequena. Impotentes, pediam pateticamente por uma calma em que era impossível acreditarem. E perante as reivindicações de bom senso, agora a desempenhar um papel inédito, não demoraram em mandar o correio com a promessa de guerra contra o povo que protegia o transgressor.
Exemplar de uma jovem ave, da facção mais irritada
Foi o culminar das aves mais irritadas. A partir daí desceram de novo à sua imagem escarninha habitual, com os mais novos a tenderem para a insignificância com garganta inflamada. E nesta decadência, as aves mais moderadas iniciaram a escalada até à postura de outrora. Foi inesperado. Não se sabe o que incendiou nas aves mais nobres a velha chama. Talvez a responsabilidade de organizar o exército, talvez o saborear dos dias antes da morte provável, talvez a excitação sentida da melhor forma pelo bom bocado que distava cada vez menos. Fosse o que fosse, estava relacionado com o regresso do aço das armas às mãos em calejamento progressivo. No fundo, tudo o que era determinante naquele povo resumia-se ao teor bélico presente nas mãos. As aves moderadas usavam armas forjadas do ferro fundido. A sua combatividade era a soma do corpo e do engenho do povo das aves. A espada era na guerra, a representação diplomática dos ferreiros, mineiros e suas companheiras, que não sendo capazes de participar em combate, eram tão fundamentais como qualquer guerreiro que ajudavam a armar.
As aves mais irritadas eram diferentes. Não usavam armas de aço. O seu lado bélico era vivido com tal intensidade que proclamavam os métodos dos antepassados mais distantes. Na mão esquerda, rasgavam das pontas dos dedos umas prolongações pontiagudas, parecidas com unhas, que nas aves mais velhas tomavam dimensões aterradoras. Na mão direita, empunhavam uma arma parecida com um escudo, que tanto servia para atacar como para defender. Esta peça era feita com os dedos e a pele e os ossos dos antepassados, que como que lenhificavam numa resistência que aumentava com o passar dos anos. Os moderados sempre condenaram esta prática, embora não soubessem explicar porquê. Agora já não tinha interesse. No dia da batalha estariam todos do mesmo lado.

Wednesday, February 08, 2006

 

A batalha I

A Batalha I
Ele estava na primeira fila, na linha da frente do exército com as suas cores. Uma multidão de seres grandes e musculados, que usualmente falavam entre si com vozes poderosas. Mas o tom de voz não era o habitual. Porque normalmente, era ela a sua única arma na refrega da sobreposição de uma piada mais jocosa acima da algaraviada reinante numa tasca lá do sítio. Hoje conversavam pouco. Estavam preocupados com o que os esperava. Os menos corajosos confessavam expectativas; os mais corajosos demoliam as expectativas dos menos corajosos para lhes levantar o ânimo. Todos sabiam que deixar cair o moral do grupo era condenar a acutilância da ofensiva a um destino rombo. Infelizmente, a análise dos menos corajosos só conseguia baixar o moral, até porque percebiam que ela estava em baixo, e como tal, em baixo permanecia. Longe iam os vamos esmagá-los de há algumas horas atrás. Bastou o primeiro vislumbre das fileiras adversárias para perceber que a batalha aconteceria, o sangue correria, as amputações separariam os seus corpos, os vivos morreriam e os mortos não voltariam. Foi o rastilho acendido nas suas mentes, cada vez mais dinamitadas por uma inaudita imaginação pirómana.
Mas ele não parecia ficar muito afectado com a disposição dos companheiros deste último mês. Os seus dezassete anos não lhe permitiam as mesmas preocupações. Não havia cônjuge nem filhos, não havia um lar construído ao longo de gerações. A questão da soberania não se punha, aquela não era a sua terra, nem sequer o seu mundo, de onde tinha sido puxado para aquele lugar, por ciência e artes mágicas que para já desconhecia. Apenas a possibilidade de extrema dor física o assustava. De resto, e vendo bem as coisas, aquele dia era o concretizar de um sonho. Um sonho feito à sua medida e lhe servia quase na perfeição. Quase, faltava qualquer coisa, mas tudo o resto estava no seu lugar. Tudo o animava na perspectiva de completar um quadro pintado ao longo de dezassete anos de fantasias, antes impossíveis, e agora inevitáveis.
No meio dos gigantes, ele era o ágil, o rapidinho franzino a quem os Quase-Vikings dedicavam alguma paternalidade. Tanto o protegiam quase ternamente, porque eram maiores e mais fortes, como o exaltavam porque não tinham a sua agilidade. Por vezes diziam mesmo que esperavam algo grande dele. Os filhos dos guerreiros é que não gostavam muito desta relação. A eles só lhes davam protecção por serem mais pequenos. Não podiam participar nos treinos para a preparação do presente dia, e por isso detestavam a criatura franzina que tinha vindo do nada para lhes fazer inveja.
Na sua mão direita segurava uma espada feita à sua medida, inspirada nas dos samurais por seu pedido. Na lâmina junto ao copo, figurava uma inscrição, um conjunto de pequenas runas cujo significado desconhecia mas que embelezavam a espada para além do que a sua fantasia inicial atingia.
No corpo levava vestido o que trazia no saco de treino, no dia em que ao percorrer o habitual trajecto pavilhão casa, foi levado para aquela terra embrutecida que o fazia sentir-se pequeno. Pequeno, mas poderoso por levar a vantagem de uma indústria têxtil infinitamente mais avançada. Os seus pés calçavam as sapatilhas de jogar, aquelas super confortáveis achadas a um canto menos provável da loja de desporto. Aquelas que mais do que compradas, foram adoptadas e ganharam o afecto do seu portador. A simbiose entre o cuidado e ausência de futeboladas, e o conforto e aderência ganhava definitivamente contornos pouco próprios de uma relação apenas semi-orgânica. Vestia uns calções escuros, de cor indefinida pelo extenso historial de lavagens e secagens ao sol, fofos como uma festa só um poucochinho subversora. No tronco levava a camisola fina, de mangas arregaçadas à maneira das pessoas de trabalho. E nos olhos, as duas lascas de silicone salvadoras, descobertas a um canto de uma bolsa da mochila: um par de lentes de contacto por estrear.
E entre as coisas que o animavam e as coisas que o assustavam, havia um que balançava indecisa sobre que lado escolher. A perspectiva de morrer era uma categoria inclassificável até ao momento. Se lhe lembrava o mais que certo sofrimento que o levaria até ao desfalecimento, assustava-o. Se lhe lembrava a suprema glória e a derradeira radicalidade que findar a vida na refrega trazia, animava-o. Por vezes tentava conjugar as duas, porque a dor do corpo antes de sucumbir magnificaria a glória do martírio. Depois apercebia-se que dentro de pouco tempo seria atormentado por todas as suas terminações nervosas em grito misericórdia, o que o remetia a um silêncio de alma responsável pela sensação de saltos no tempo, em direcção ao estrépito das armas e das vozes que se avizinhava.

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